sexta-feira, 11 de abril de 2008

Brincando de patrimoniar

Cachoeira busca há 30 anos o título de Patrimônio da Humanidade
Alanna Oliveira, Luciana Fernandes e Sandrine Souza

Um grupo de cachoeiranos que hoje vive em Salvador resolveu revigorar uma luta antiga que pleiteia o título de Patrimônio da Humanidade, concedido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura, a Unesco. O professor Manoel Passos e o jornalista Jorge Ramos estão encabeçando este movimento, que ainda está se organizando e busca a institucionalização.
Em entrevista, Manoel Passos afirma que o trabalho para conseguir o título é árduo e dispendioso e que, por isso, é de grande importância a mobilização de instituições e autoridades políticas. Inclusive comenta que a luta ficou incipiente durante algum tempo por falta de apoio e que só agora conseguiu aliados. Manoel fala também da grandiosidade do patrimônio de Cachoeira e da história da cidade.
O cachoeirano e agente de patrimônio David Rodrigues é contra a forma como as coisas estão sendo feitas. Ele diz que o movimento deveria começar pela conscientização da população através de educação patrimonial e do incentivo às manifestações culturais locais. “A população de Cachoeira não está preparada para o título, ela ainda considera o tombamento um atraso e este tipo de mentalidade já deu grandes prejuízos ao patrimônio da cidade, como o extermínio de irmandades e da maioria das cabeças-de-negro”, diz. Segundo ele, o movimento tem se restringido a reuniões fechadas e não tem levado em consideração o que a população pensa. Marcelino Gomes também chama atenção para este aspecto dizendo que, inclusive, há um movimento crescente para destombar Cachoeira.
David afirma existir um grande número de cachoeiranos que respondem ações judiciais por descumprir a legislação federal de preservação dos monumentos e ainda inclui o atual gestor da cidade, Fernando Antônio da Silva Pereira, nessa estatística. “Além de trazer trio-elétrico para a cidade, ele a pintou de amarelo e azul, o que desconfigura o ambiente e é contrário as regras de preservação. A falta de harmonia da iluminação pública, postes, fiação, barracas, placas comerciais e toldos formam uma poluição visual que quebra o clima do ambiente e é algo que também deve ser pensado”, completa David.
Com a inscrição da cidade na lista dos 851 sítios que são patrimônios do mundo, uma inegável conseqüência é o aumento do turismo, de atração de investimentos e, possivelmente, de acesso a um fundo de recursos internacional da Unesco. No entanto, a cidade não tem estrutura para receber um grande número de pessoas e o seu encaixe geográfico também não favorece o desenvolvimento do ramo hoteleiro. Durante a entrevista foi manifestada preocupação com este aspecto, pois a construção de parques hoteleiros poderia descaracterizar a cidade, já que nem mesmo a presença do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) tem conseguido evitar que isso aconteça. No entanto Manoel Passos diz que com o advento do título haverá um maior poder de conservação sobre pressão internacional e risco de perder o título. Quanto a isso Marcelino afirma que a utilização dos monumentos já existentes seria uma medida inicial.
O diretor do Centro de Artes, Humanidades e Letras (CAHL), Xavier Vatin, analisa o aumento do turismo a partir de sua experiência como antropólogo. Ele teme que aconteça a “pelourização” de Cachoeira e chama a atenção para se pensar o desenvolvimento da cidade através de aspectos antropológicos, museológicos, que envolvam o patrimônio material, imaterial, cultural, arquitetônico, tangível e intangível, no intuito de evitar efeitos colaterais, como a criação de uma vitrine turística de prostituição internacional. “Eu voltei a Paris há dois anos e estava no metrô de lá quando vi uma propaganda da Bahiatursa mostrando a Bahia dividida em três partes; o Pelourinho, uma praia e no meio uma enorme bunda de mulher com fio dental. Depois eles não querem que façam o turismo sexual”, diz ele.
Cristina Ferreira, professora e museológa, diz que o curso de museologia da universidade já realizou alguns eventos na câmara de vereadores e no Hansen, inclusive com a participação do diretor do Instituto do Patrimônio Artístico Cultural da Bahia (IPAC), com o objetivo de conscientização da população através da educação patrimonial. Fala também que a universidade tem interesse em ser parceira neste processo.
Na opinião de Marcelino o IPAC está Empalhado em Cachoeira e as pessoas que defendem o patrimônio na cidade estão desempregadas, porque não há muitas possibilidades de trabalho e a prefeitura não emprega quem defende este posicionamento.
Foi possível perceber depois do contato com o movimento que ele ainda é imaturo, não tem projeto e propostas bem definidos e tenta transferir a sua condução para a universidade e que a questão é bastante polêmica e deve ser pensada com mais responsabilidade o processo. Segundo Xavier a universidade pode contribuir ajudando a pensar o processo.

Cachoeira foi batizada por índios com esse nome por significar, na língua deles, mar grande, devido a quantidade de águas e largura do Paraguaçu nesta região. Em 13 de março de 1531 é achada pelos portugueses e em 27 de dezembro de 1693 foi elevada à categoria de vila. Cachoeira torna-se o povoado mais próspero e populoso do Império exigindo que fosse ela promovida à categoria de cidade, o que aconteceu mediante a lei provincial nº 43, a então vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto de Cachoeira transformou-se finalmente em cidade com o nome Heróica Cidade de Cachoeira. Foi um importante entreposto comercial da época e um dos mais extensos municípios do Brasil. A sua importância político-econômica era fator indiscutível. Já nasce com coroa de cidade heróica, coroa esta que ostenta em sua bandeira. 34 anos depois tem seus monumentos inscritos nos livros de Tombo do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e recebeu o título de Patrimônio Nacional, o que permite em pleno séc. XXI ostentar a beleza da sua arquitetura barroca que nos remete a sua importância econômica nos séc. XVII e XVIII. Ela foi palco de vários conflitos entre brasileiros e portugueses e teve filhos que marcou o seu nome na história nacional.


Créditos: Sandrine Souza.

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