sexta-feira, 16 de maio de 2008

CULTURA

ORALIDADE: DESVALORIZAÇÃO DE RIQUEZAS CULTURAIS

O conhecimento escrito, cada vez mais priorizado, colabora para a depreciação do saber manifestado através da memória oral.

Anderson Silva,Daniela Silva e Toniel Costa.

O conhecimento oral transmitido entre as diversas gerações, que se baseia na capacidade mental, visual e auditiva e nas experiências de vida, está sendo desvalorizado, devido á influência e credibilidade do conhecimento escrito, principalmente daquele propagado na academia. Porém a oralidade tem características tão amplas quanto o saber escrito; e isso se vê manifesto através da figura do Griot.
A oralidade era a única forma de propagação de saberes antes do surgimento da escrita. A memória auditiva e a visual eram recursos fundamentais que permitiam ás culturas orais passar ensinamentos para as gerações futuras. Em muitas culturas, a identidade do grupo estava sob a guarda de contadores de histórias, cantores e outros tipos de arautos, que na prática eram autenticamente os portadores da memória da comunidade. Este é o caso do papel desempenhado na África Ocidental pelos Griots.
O termo francês Griot (pronuncia-se griô), serve para designar pessoas que possuem conhecimentos orais, transmitidos por antepassados. São exemplos de Griot: rezadeiras, parteiras, oradores públicos, músicos, curandeiros, pessoas que conhecem o passado histórico de uma comunidade. O conhecimento que eles possuem é amplo e vasto e não se limita a uma área específica, ou seja, um griot que na comunidade indica folhas para uso medicinal, ao mesmo tempo pode ser uma espécie de conselheiro sentimental e ainda conhecer profundamente a história da localidade onde vive. Seus saberes estão totalmente guardados na mente.
FONTE DE CONHECIMENTO ORAL - Residente no município de São Félix, Edelzuita Sá Conceição, 74, parteira, também realiza curativo, mede pressão arterial e indica folhas para tratamento médico. De acordo com as suas contas, já fez mais de dois mil partos. “Nunca morreu uma mulher de parto na minha mão”, diz.
Dona Edelzuita desde a infância tinha vontade de trabalhar na área medicinal. “Quando eu era pequena e morava na fazenda, minha prima tinha algum ferimento e eu logo pegava uma folha parecida á uma pimenta-camarim. Ela dizia que não ia funcionar, mas acabou sarando. Daí eu descobri que tinha esse dom”, relata. Ela também usa folhas de banana para tratar de queimaduras.
A parteira, diz que em apenas dois casos não fez o parto porque eram situações em que a melhor solução para preservar a vida da mãe e do bebê era a cesariana. Dona Edelzuita descreve uma ocasião em que até um médico solicitou que ela fizesse o parto. “O primeiro parto perigoso que eu fiz aqui em São Félix foi o de uma moça que trabalhava em uma fábrica e tinha caído. A mãe e a filha estavam entre a vida e a morte, devido a uma infecção. O Dr.Fernando Lopes me deu a autorização para fazer esse parto, pois ele ia trabalhar em Conceição da Feira. Eu perguntei a ele se eu ficaria com a culpa caso a moça morresse? Ele me respondeu dizendo que eu tinha capacidade para fazer esse parto. No fim deu tudo certo; ela está em São Paulo e seu filho já está rapaz”.
ESCRITA: DONA DA VERDADE?– Dona Edelzuita ainda salienta que a parteira deve ter muita agilidade e atenção, pois no trabalho de parto tudo acontece de forma muito rápida e salienta que “pra fazer esse tipo de trabalho é preciso não agir com violência com a parturiente, não ser cruel com os familiares que estão ansiosos nesse momento e agir com a sua consciência”. Dona Edelzuita ainda comenta que muitos erros que acontecem em alguns partos atualmente seriam facilmente solucionados com o conhecimento que pessoas como ela possui, mas infelizmente é desprezado.
A escrita hoje tem fundamental valor quando se trata de transmissão de conhecimento. Ela garante veracidade em quase totalidade dos casos relacionados principalmente á pesquisa histórica de uma comunidade ou de alguém como um Griot.
Alguns acadêmicos questionam a credibilidade da oralidade, como fonte histórica e cultural, devido á possibilidades de omissão ou mentira com relação á fatos, autocelebração e até criação de uma trajetória artificial. Por outro lado, outros argumentam que, na realidade, os documentos, na verdade, são relatos orais passados para o papel por homens, que estão sujeitos ás mesmas falhas.
ASPECTOS INFLUENTES - É necessário enxergar o grande poder que a escrita exerce atualmente, através de uma visão bem mais ampla do que a habitual, pois questões econômicas e religiosas também contribuem para que o saber oral seja desvalorizado.
A cultura oral é uma característica do continente africano, que não exerce grande influência econômica no mundo, enquanto a escrita é oriunda do continente europeu que é economicamente superior. Temos como exemplo o modo de vida do brasileiro. Sendo que o nosso país é constituído etnicamente por três culturas: a portuguesa, a africana e a indígena, somente prevaleceu os costumes que a primeira deixou e que, nos dias atuais, os norte-americanos nos transmitem através de seus produtos.
A questão religiosa também tem influência neste caso, pois a cultura religiosa africana passada é baseada em conhecimentos orais, enquanto o cristianismo, difundido no Ocidente está fundamentado na Bíblia, as escrituras sagradas, ou seja, é valorizado aquilo que está escrito. Segundo o professor Emanoel Luís Roque Soares, doutorando em Filosofia da Educação pela Universidade Federal do Ceará, o processo de desvalorização da oralidade se dá devido á preconceitos religiosos e “por puro marketing”.

HISTÓRIA ORAL E CULTURA ORAL – De acordo com o professor, existe uma diferença entre a história oral e cultura oral ou oralidade. Sendo que a segunda é passada verbalmente, através do diálogo comunitário, pois é uma forma de não se perder o conhecimento, enquanto a primeira se trata de uma prática acadêmica de colher dados muito usada atualmente.
Recém integrado ao corpo docente da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), no campus de Amargosa, o professor afirma também que é possível ter apenas uma noção aproximada da palavra Griot. “A forma afrodescendente de ser Griot é diferente da africana, desde as questões de gênero uma vez que na África os Griots eram sempre masculinos, passando pela descendência e a maneira poética na qual o Griot africano se expressava. Aqui no Brasil o matriarcado além da não relevância dos laços sangüíneos diferencia em muito o Griot afrodescendente do africano”, explica.
O professor que também ministra aulas de Metodologia de Pesquisa para estudantes da UFRB, bolsistas do programa Conexões de Saberes, salienta que o Griot possui como principais características a oralidade, a ludicidade, a sabedoria e fundamentalmente, a ação publica uma vez que o Griot sempre visa à comunidade e o coletivo, ao invés do individual. “Além expressar uma nova possibilidade do conhecimento, diferente do acadêmico, o respeito ao coletivo, á velhice e a ancestralidade são traços fundamentais que os Griots passam para nossa sociedade”, diz ele que também cita que, nas comunidades onde o Estado e o saber acadêmico não são acessíveis, os Griots ainda são bastante reconhecidos e solicitados. “As coisas mudaram mais as necessidades das comunidades mais carentes, principalmente as quilombolas e as favelas que são quilombos urbanos tornam eles tão importantes quanto eram antes e em alguns casos até mais. Quem nunca precisou de uma bezendeira, parteira ou nunca tomou um chá de folha em uma comunidade carente?”, esclarece.
Em relação ao conflito entre o conhecimento acadêmico e a oralidade, o professor prefere manter um posicionamento equilibrado. “Os dois se completam, uma vez que são diferentes, e por isso não são adversários. O que existe é um preconceito de alguns acadêmicos que não perceberam ainda que a diferença é a melhor coisa que pode acontecer ao conhecimento”, relata o professor Emanoel.

Um comentário:

Unknown disse...

Parabéns pela reportagem. A tradição oral precisa ser mais conhecida e divulgada pela sua importância cultural
Utilizei como fonte de pesquisa.
Valeu!!!