População desconhece os reais índices de HIV
Por medo de sofrer preconceito e descriminação, portadores do vírus de Cachoeira e São Felix, buscam tratamento em outras cidades
Camila Moreira, Daiane Dória, Danielle Souza e Talita Costa
Comum não só nos grandes centros, a AIDS tem se proliferado também em pequenas cidades, como é o caso de Cachoeira e São Félix, que possuem apenas quinze casos notificados. O pequeno número de notificações é justificado pelo fato destas serem obrigatórias apenas em casos de gestantes, crianças e pessoas que manifestam doenças ou infecções provocadas pela presença do vírus, as chamadas doenças oportunistas. Caso contrário o número de portadores registrados seria bem maior.
A Aids, Acquired Immune Deficiency Syndrome, que em português quer dizer Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, é uma doença causada pela infecção do organismo humano pelo vírus da Imunodeficiência Humana, mas conhecida como HIV, sigla também do inglês, Human Immunodeficiency Virus. O HIV destrói os linfócitos, que são células responsáveis pela defesa do nosso organismo, fazendo com que as pessoas infectadas fiquem vulneráveis a outras doenças e infecções. Relações sexuais com pessoas infectadas, sem o uso de camisinha, são consideradas entre outros, um comportamento de risco que pode ocasionar na infecção pelo vírus da AIDS (HIV). Além disso, pode ser citado o compartilhamento de seringas e agulhas, principalmente, no uso de drogas injetáveis; transfusão de sangue contaminado pelo HIV, reutilização de objetos perfuro-cortantes com presença de sangue ou fluidos contaminados pelo HIV. Ao contrário do que muitos acreditam a Aids não é transmitida através do beijo na boca, abraços e aperto de mãos e picadas de inseto. Segundo a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia, já foram notificados 8.263 casos de infecção pelo HIV, dos quais, 2.514 faleceram de Aids.
A coordenadora de vigilância epidemiológica de Cachoeira, Marcele Deutsch afirma que dos oito portadores existentes na cidade, sete estão em tratamento e um em processo de negação. Dentre os que fazem tratamento, está uma criança, a única entre os notificados, que teve como transmissora a própria mãe. Ela esta sendo encaminhada ao Conselho Tutelar porque seu pai, também portador do vírus não aceita que ela tenha o tratamento adequado, e nessas condições a Secretaria de Saúde não pode intervir diretamente.
Marcele Deutsch diz que há uma alta incidência de soro positivos em Cachoeira, mas o preconceito e a discriminação existentes os levam a buscar tratamento em centros de referencia de outras cidades, como é o caso do Hospital Roberto Santos, e o Creaids (Centro de Referencia Estadual de Aids), ambos em Salvador. Ela declara que na cidade há somente um infectologista trabalhando voluntariamente uma vez por mês na Santa Casa de Misericórdia.
Assistente Social – Atuante no Centro de Saúde Integral João Paulo II, em São Félix, Andréia Silva diz que o processo de negação, fase em que o paciente não aceita a doença, é constante e muitas vezes duradouro. O trabalho de abordagem é feito por uma assistente social em conjunto com uma psicóloga, daí, se necessário, os pacientes são encaminhados a outros centros de tratamento. A depender da necessidade do paciente, ele pode receber um suporte alimentar e um valor em dinheiro para ir à Salvador ou Feira de Santana, onde exames que não são feitos aqui possam ser realizados. Apesar do registro de apenas sete casos, em que um veio a óbito ainda esse ano e dois estão em processo de negação, a assistente social acredita na existência de muitos casos na cidade, desconhecidos por boa parte da população. Por isso defende a idéia da divulgação dos nomes dos soro positivos, mesmo que estes não apresentem as doenças oportunistas, porque, segundo a mesma, os portadores em maioria não se conscientizam sobre a problemática que o cercam e acabam por disseminar a doença, contaminando as pessoas que desconhecem a presença do vírus.
Questionada sobre a discriminação que cercaria o cidadão com o nome divulgado, Andréia Silva diz que o maior preconceito parte dos próprios portadores. “A Aids não tem cara, não dá pra confiar nas pessoas hoje em dia”, relata a assistente. Segundo ela os órgãos públicos estão fazendo a sua parte no que diz respeito a esclarecer a população sobre os riscos de contaminação. Todos que procuram os postos de saúde recebem o auxílio necessário e indispensável no tratamento, mas ela compreende que há um certo limite que não pode ser ultrapassado, e relata uma ocasião em que foi obrigada a desistir do caso. “Ela me disse se eu continuasse com as abordagens ela cometeria suicídio, eu tive que desistir”, diz Andréia Silva.
Geraldo Santana Leite – Conhecido como Bidú, 44 anos, natural da cidade de São Felix e portador do vírus da Aids há quatro anos, conta que não sabe quem foi seu transmissor. Homossexual tem dúvidas entre três parceiros com os quais teve relações sexuais na época em que adquiriu o vírus. Bidú é um exemplo de superação, descobriu que tinha o vírus através de um ferimento no seu corpo que não cicatrizava. Submetido a exames mais complexos acabou descobrindo que era portador, nesse momento relata que foi muito difícil, pois a cidade de São Felix, onde ele mora, é pequena e por motivos desconhecidos por ele o resultado de seu exame confirmatório caiu no conhecimento popular antes mesmo dele saber. Nesse instante, para Bidú foi essencial total apoio de sua família e amigos que permaneceram ao seu lado no momento mais dramático de sua vida. Esteve entre a vida e a morte, chegou a pesar apenas 43 quilos, mas conseguiu se recuperar. Hoje leva uma vida normal, pratica esportes, trabalha como paisagista, arbitro, produtor de moda e é candidato a vereador. Segundo ele o vírus causa limitações, mas nada que o impeça de levar uma vida ativa e digna como qualquer outro. “Sou esportista, jogo vôlei, basquete, apito jogo e sou respeitado normalmente pelos 22 homens em campo” conta Geraldo Leite.
Bidú foi e ainda é vitimas de preconceitos, já foi apontado nas ruas, mas não se sente inferior por isso, pelo contrário, tenta a cada dia conscientizar mais pessoas sobre a necessidade da preservação. “Só transo com camisinha e aviso aos parceiros sobre o vírus”. Acredita ser o preconceito a causa principal das pessoas portadoras do vírus não buscarem tratamento, diz que o fato de ter aceitado a doença fez dele uma pessoa melhor e mais feliz. “Outro dia peguei um táxi, era até conhecido meu, mas ele não aceitou fazer a corrida por causa da doença”, diz Bidú e entre risos acrescenta “quando as pessoas me olham atravessado eu solto beijos”.
Elogiado pelas assistentes sociais, Bidú é tido como um exemplo a ser seguido, “Bidú é uma vitória significativa, sem contar que o relato dele é emocionante,muito responsável ate mesmo no que diz respeito às relações,ele tem muito cuidado porque não quer levar adiante o que passaram para ele” declara Andréia Silva.
“Fique Sabendo” – Programa de saúde realizado em São Félix no ano de 2007, com o intuito de promover exames e conversas com pessoas que estavam em dúvidas se portavam ou não o vírus da Aids. Na ocasião não houveram resultados indicando a presença do vírus nos examinados. A idéia do projeto foi criar uma consciência nas pessoas que passariam pelo exame, para que caso o vírus fosse constatado, estas não entrassem no desespero, comum entre os despreparados e não esclarecidos ao receberem a confirmação. Márcia Schmalb, psicóloga e coordenadora do Unapsi (Unidade de Apoio Psicossocial), em São Félix, foi uma das mentoras do projeto. Ela afirma que a maior e principal preocupação do “Fique Sabendo” foi fazer com que as pessoas compreendessem a importância da preservação não apenas por medo, mas por entender que é fundamental manter seus corpos saudáveis e assim também proteger seus parceiros.
A coordenadora do Unapsi relata que os órgãos públicos têm tentado criar uma consciência de preservação na população, através de campanhas, visitas constantes de assistentes sociais e acompanhamento psicológico, tudo gratuitamente. Para ela falta uma consciência pessoal que pode estar ligada à idade e à maneira como a sociedade age. “As pessoas e principalmente os jovens agem como se só o momento valesse a pena”, diz Schmalb.
A banalização do sexo é um dos maiores problemas visto pela coordenadora. Jovens se envolvendo cada vez mais cedo, com pessoas desconhecidas, os deixam em situações de risco. Além de existirem mitos em torno dos preservativos, como por exemplo, que eles incomodam, geram desconforto e diminuem o prazer. Mitos estes que segundo Márcia Schmalb não tem qualquer fundamento.
quinta-feira, 15 de maio de 2008
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