Dez anos após a explosão na fábrica de fogos, com 64 mortos, crianças e adultos continuam fabricando traques, ganhando um real por milheiro.
No dia 11 de dezembro de 1998, Santo Antônio de Jesus ficou conhecida internacionalmente como a “Terra do Fogo”. Essa denominação foi ocasionada pela explosão de uma fábrica clandestina de fogos de artifício, no bairro Juerana – afastado do centro da cidade - matando 64 pessoas, sendo elas, mulheres, jovens e crianças. As 10 tendas que explodiram pertencia ao empresário Osvaldo Prazeres Bastos, conhecido como “Vardo dos Fogos”, que armazenava material explosivo ilegalmente e produzia incendiários improvisados sem condições de segurança para as pessoas que trabalhavam com o fabrico. Dez anos se passaram e o que se vê é a mesma cena: carreteiros – indivíduos que distribuem ilegalmente a mercadoria (pólvora) – passando para os produtores, que recebem a pólvora ilegal para o fabrico de fogos de artifício em locais inadequados, como fábricas sem autorização para funcionamento ou em fundos de quintais nas residências dos próprios trabalhadores, sem qualquer tipo de proteção e submetidos a sérios riscos de explosões. “Esses indivíduos encontram-se nas suas casas fabricando, em garagens ou tendas, recebem o material e estocam na própria moradia, podendo ocorrer explosões matando um contingente maior de pessoas, pois esses lugares são locais próximos a outras residências, se tornando uma bomba-relógio”, fala José Laércio Poli, Tenente da 6ª Delegacia do Serviço Militar do Exército de Santo Antônio de Jesus.
A maioria dos fabricantes são moradores do bairro carente Irmã Dulce, próximo à saída da cidade. Mesmo sabendo de toda a história e dos problemas que podem ter, alegam que o motivo pelo qual continuam no fabrico de explosivos ilegal é o desemprego intenso no município. Acreditam também que a dificuldade de encontrarem emprego é a imagem marginalizada do bairro, conhecido também por Mutum, onde possui um número grande de assaltantes. “Sabemos que o lugar onde moramos é excluído pela sociedade, porém, não é motivo para que os moradores continuem trabalhando para pessoas como Vardo dos Fogos, que enriquecem as nossas custas, pagando R$1,00 por milheiro de traque. Eu ficaria mais feliz se as pessoas me dissessem que cataria lixo para não produzir mais fogos”. Diz a moradora Maria Madalena Santos Rocha, 56 anos, e líder do Movimento 11 de Dezembro.
ASSOCIAÇÃO 11 DE DEZEMBRO: “Perdi minhas filhas há 10 anos, mais eu lutarei por justiça até acabarem minhas forças e isso eu dedico a elas”. Evidencia dona Maria Madalena, quando fala de suas três filhas – Mônica, 22, Adriana, 15 e Fabiana, 14 - que morreram com a explosão na fábrica clandestina. A partir de pessoas como a presidente Maria Madalena, outros familiares das vítimas e pessoas que se recusam esquecer a tragédia, participam da associação, fundada principalmente com o objetivo de lutar por justiça. Maria Madalena ressalta dos obstáculos que ainda não conseguiram combater, como a clandestinidade e o trabalho infantil existente, dizendo que não são só responsabilidade dos agentes fiscalizadores, mas, da população que não se mobiliza para combater o fabrico de fogos na cidade e região.
Existe também a falta de engajamento dos poucos associados, onde não há uma organização na busca de um espaço físico para acontecerem às reuniões, sendo utilizado provisoriamente a Creche 11 de dezembro, no bairro Irmã Dulce. “Sem um espaço para discutir os problemas e criar soluções definitivas, fica muito difícil para os componentes realizarem projetos voltados para a repressão da clandestinidade dos fogos de artifício”, diz Maria Madalena.
Após anos de espera por uma forma de amenizar a situação das crianças órfãs que perderam suas mães no dia da explosão, foi delegado ao Exército Brasileiro, no dia 03 de janeiro 2007, pagar uma indenização no valor de um salário mínimo, para ajudar nas despesas das crianças até ficarem adultas. As crianças que já completaram a maioridade penal receberam um retroativo para compensar os danos. “Depois da audiência, em 2006, realizada em Washington – Estados Unidos – o Estado Brasileiro assumiu a responsabilidade na explosão da fábrica e iniciou um processo de solução amistosa, para reparar danos morais e materiais. A incumbência do Exército Brasileiro foi de cadastrar 37 crianças que perderam suas mães na explosão da fábrica de fogos e pagar uma pensão no valor de um salário mínimo”. Explica o tenente José Laércio Poli.
AGENTES FISCALIZADORES: Aconteceu no dia 13 de maio, o I Seminário Regional de Alternativas Seguras à Produção de Fogos de Artifício em Santo Antônio de Jesus, no colégio Luis Eduardo Magalhães e foi promovido pela Secretaria da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos. Tendo como objetivo apontar ações seguras para a fabricação de fogos nas regiões em que este tipo de atividade é a principal fonte de renda familiar. A principal meta deste evento foi discutir os riscos de explosão nas áreas de produção de fogos, noções básicas de como os locais podem ser prevenidos de incêndio e qual a situação real da região no que diz respeito ao comércio de venda de fogos. “Eventos como este tem a intenção de prevenir através da conscientização dos riscos que essa atividade expõe no dia-a-dia, tanto para fábricas legalizadas, quanto as informais”. Diz a Doutora Luciélia Lopes, promotora de Justiça da Comarca de Santo Antônio de Jesus.
No seminário estavam presentes todos os órgãos fiscalizadores de combate ao fabrico clandestino de artefatos, explosivos e incendiários improvisados: Justiça Global, Polícia Rodoviária Federal, Corpo de Bombeiros, Polícia Civil, Batalhão de Bombeiros de Santo Antônio de Jesus, Ministério Público do Estado da Bahia, Defesa Civil, Movimento do Trabalho e Emprego, Fórum de Direitos Humanos, Ministério Público do Trabalho e o DTE - Delegacia de Tóxicos e Entorpecentes. Todos apresentaram um painel de segurança, prevenção e alternativas para o trabalho seguro com explosivos.
Para diminuir a intensificação da fabricação de fogos próximos ao São João, o Tenente Marcos Magno, comandante do 3° Subgrupamento de Bombeiros Militar, diz estar fazendo uma vistoria nas fábricas legais e clandestinas nas cidades que tem grande ativação na produção de fogos de artifício: “No dia 08 de maio, visitamos os estabelecimentos comerciais de explosivos e artefatos pirotécnicos nas cidades de Santo Antônio de Jesus, Sapeaçu e Cruz das Almas, com o intuito de intervir o trabalho infantil e permitir que as pessoas que fabricam nestes locais, tenham um mínimo de segurança”.
Outro órgão fiscalizador é o Exército Brasileiro, que é responsável pela fiscalização das fábricas legalizadas e cadastradas de produtos controlados no Recôncavo Baiano, tendo 28 municípios na qual são responsáveis. Em Santo Antônio de Jesus existem três fábricas legalizadas cadastradas ao Exército: A Big Fire Works, Brasilian Fire Works e Boa Vista. A atividade principal do exercito é de observar o movimento do material que essas fábricas recebem, quanto consomem por mês e se tem nota fiscal que comprova a legalidade. Os estabelecimentos são obrigados a enviar mensalmente o mapa de estocagem, que vem acompanhado de uma guia de tráfico, que controla o que o produtor vai comercializar. “A partir destas provas, controlamos a distribuição, para evitar problemas como ocorreu no dia 26 de fevereiro de 2008” diz o tenente José Laércio Poli. Onde, Jerferson Ramos Santana, 14 anos e Roberto Barbosa, 34 anos, moradores do povoado de Bom Conselho, zona rural de Santo Antônio de Jesus, morreram por fabricarem explosivos numa fábrica clandestina.
PROJETO FÊNIX: Criado em 1999, com o intuito de orientar os produtores a cursos profissionalizantes e treinamentos para total segurança na fabricação de fogos, após 10 anos, o projeto só tem apenas 5% em vigor, onde duas fábricas estão funcionando e duas desativadas. O tenente José Laércio Poli, diz que se as fábricas irregulares participassem deste projeto e criassem uma cooperativa, saindo da irregularidade, muitas pessoas não trabalhariam mais com o risco de explosões. Ele ressalta também que a lucratividade da clandestinidade é maior, onde não se pagam impostos para o governo nem carteira assinada para os produtores. Para finalizar ele diz: “O que queremos é descobrir quem fornece esse material irregular, e é só questão de tempo para a força tarefa apanhar essas pessoas que não se importam com a vida desses indivíduos”.
JULGAMENTO: Dia 27 de junho de 2007 estava previsto o julgamento do réu Osvaldo Prazeres Bastos, que iria ao júri popular na comarca de Santo Antônio de Jesus. O advogado de defesa justificadamente não compareceu, deixando para apresentar no dia anterior da seção no Tribunal do júri os seus motivos, não revelados pelo Tribunal de Justiça. Depois desta ocasião foi marcada pelos familiares das vítimas no dia, 18 de Julho de 2007, uma reunião com o Ministério Público, para pedir o desaforamento do caso – pedido de mandato para o réu ser julgado fora da comarca de Santo Antônio de Jesus. O Ministério Público atendeu o anseio dos familiares das vítimas, e encaminhou a solicitação para o Tribunal de Justiça que conduziu o julgamento para a comarca de Salvador. “O motivo do desaforamento foi a indução e influência política e econômica do réu na cidade e região”. Diz a Promotora Luciélia Lopes.
Ficou marcado um novo julgamento para novembro de 2007, só que a defesa entrou com um recurso de embargo de declaração contra o acordo que decidiu o pedido de desaforamento. Isso impede que seja marcado outro júri até que se resolva este impasse. “Teremos uma longa trajetória até lá, mais não estamos medindo esforços para que isso venha logo a ser resolvido”. Expõe a Doutora Luciélia Lopes.
AVANA CAVALCANTE.
Créditos: Avana Cavalcante
Texto: Avana Cavalcante
Chapéu: Social
sexta-feira, 16 de maio de 2008
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