terça-feira, 1 de julho de 2008

Cultura

Guerra de espadas: diversão perigosa

Queima de fogos atrai milhares de turistas a Cruz das Almas nas festas juninas

Daniela Silva, Meire Fiúza e Patrícia Neves

O São João de Cruz das Almas atrai cerca de 100 mil visitantes todos os anos, que dançam e se divertem ao som das bandas de forró, do tradicional pé-de-serra ao novo forró elétrico. Além do arraiá, outra atração que encanta moradores e turistas no São João da cidade é a tradicional guerra de espadas. Os fogos são queimados na maioria dos bairros. Os fogos são fabricados pelos próprios moradores, no quintal de suas casas. O material para confecção do produto.é providenciado desde o final de junho, quando terminam as festas.
Roberto Santos, 45 anos, diz que já faz espadas há 27 anos e explica passo a passo como fabrica o artifício, desde de a retirada do bambu, principal material para a fabricação, até a fase da queima. Os outros materiais, como pólvora, barro, limalha de ferro, salitro e cordão de sisal encerado fazem parte do conjunto que tem como arte final um show de beleza e perigo.
“Deve-se enrolar o cordão de sisal encerado em volta do bambu bem apertado para que ela não exploda”, afirma. A fabricação é muito detalhada e qualquer erro pode comprometer o uso da espada. Neste ano, a dúzia das espadas custava de R$ 70 a 100. Quando questionado sobre o perigo, Roberto diz que cada pessoa tem que ter cuidado com a fabricação, não colocar fogo e nem beber perto do material. Ele diz ainda que nunca sofreu nenhum acidente.
Apesar do custo alto e de muito trabalho, os espadeiros não deixam que a tradição das espadas acabe. Eles contam os meses para que possam participar desta manifestação que envolve diversão e perigo para quem toca (queima) e para quem se arrisca a assistir.
A maioria dos espadeiros acredita que a guerra atrai os turistas para a cidade, e a festa em si fica em segundo plano. “Bandas de forró têm em todos os lugares, até melhores das que tocam aqui, mas o povo vem mesmo é pra ver a batalha que é um espetáculo bonito e só tem aqui”, diz Sérgio Lopez, 48 anos, espadeiro desde os 12 anos. Lopez organiza, há 30 anos, o casamento (uma batalha de espadas que começa com um casamento da roça e termina com a queima dos fogos) do CEAT (Colégio Estadual Alberto Torres). Ele conta que tudo iniciou com um trabalho pedagógico realizado com o irmão, quando eles ainda eram estudantes do segundo grau. A brincadeira virou uma tradição que movimenta a cidade até hoje.
A cidade toda se envolve com a guerra. As fachadas das casas residenciais e comerciais são cobertas com papelões. Bares e quiosques cercam as suas áreas com tela e maderite para formar os camarotes e cobrar pela entrada no estabelecimento. Os comerciantes afirmam que o local é seguro e dá para ver a guerra à vontade.
O aposentado Eliel Santana diz que antigamente gostava que seus parentes viessem à sua casa para ver a guerra de espadas, mas, infelizmente, agora não se sente mais seguro em fazer isso. Há muita polêmica em torno desse assunto. Muitos moradores são contra a queima de espadas, pois ela suja as fachadas das casas, além de quebrar telhas e ferir muitas pessoas que não estão participando da festa. No último São João, Edson Teixeira, de seis anos, que residia na zona rural da cidade, morreu com queimaduras de terceiro grau na cabeça e no tórax porque estava em local com grande concentração de pólvora. Outro incidente também aconteceu quando uma espada entrou na sala de parto do hospital Santa Casa de Misericórdia, quebrou vidraças, aparelhos e espalhou pólvora e barro por todo local. Por sorte, o recém nascido já havia sido retirado do local, mas duas enfermeiras ficaram queimadas.
Além dos espadeiros, há os que defendem a tradição na cidade. Inclusive, moradores dos bairros com grande concentração de queima de espadas se divertem com o espetáculo. Nos dias em que acontecem as guerras, as pessoas saem mais cedo do trabalho por causa do perigo que o artifício proporciona.
A batalha principal acontece no dia 24 de junho na praça Senador Temístocles. Porém, outras acontecem nos bairros, organizadas pelos moradores. Em alguns locais é proibido queimar espadas, mas poucos espadeiros respeitam o decreto. Uma campanha, feita pela prefeitura, com nome “Espadeiro Consciente”, tenta controlar os fogueteiros para que eles não provoquem tantos acidentes. Neste ano, mais de 200 pessoas ficaram queimadas na guerra de espadas. Três ficaram em estado grave e foram encaminhadas para o Hospital Geral do Estado. Segundo os médicos da Santa Casa de Misericórdia, a maioria dos queimados ingere bebidas alcoólicas, o que provoca grande parte dos acidentes.

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