Produção cultural emperrada
Artistas e órgãos relacionados ao setor cultural de Cachoeira não dialogam
Astrude Modesto, Caio Barbosa, Queila Oliveira e Talita Costa
Cachoeira é apresentada para turistas de todas as partes como a cidade da riqueza histórico-cultural. Esse rótulo constrói a idéia de que o campo cultural da cidade está inserido num sistema extremamente organizado e que responde aos mais variados requisitos do mercado artístico contemporâneo. Não é esse o cenário para quem vive a cultura local mais de perto.
Os pintores irmãos Carlos e Juvenal Martfeld acreditam que viver de arte em Cachoeira é uma vergonha. “As pessoas não têm dinheiro nem cultura. Preferem dar vinte mil reais em carros, mas não dão nada para um quadro”, comentou Carlos. Ele está temporariamente em Cachoeira e já chegou a vender quadros nos Estados Unidos. Hoje, expõe seu trabalho no atelier do irmão Juvenal, localizado na Rua Ruy Barbosa.
Juvenal Martfeld diz morar em Cachoeira há muito tempo e que pinta quadros por gosto pessoal. Ele se queixa da desunião em que vivem os artistas cachoeiranos. “Existe até uma associação, mas ela não funciona de fato”, afirmou.
Outro problema levantado pelos irmãos Martfeld é quanto à questão dos direitos autorais das obras. Carlos afirma que só turistas entram no atelier. Muitos deles para fotografar. Os irmãos não se sentem à vontade com a idéia de terem suas pinturas fotografadas. “Os gringos tiram fotos e ampliam para vender fora do país”, comentam. Carlos afirma que um amigo já viu um de seus quadros, que nunca foi vendido por ele, exposto numa vitrine italiana.
O Secretário Municipal de Cultura, João de Moraes, se incomoda com a espetacularização da cultura cachoeirana, ao mesmo tempo em que acredita que os artistas da cidade precisam ter uma visão mais ampla do sistema mercadológico em que estão inseridos. De acordo com ele, os bens culturais não devem ser pensados apenas enquanto tradição nem tampouco exclusivamente como mercadoria.
Através do Seminário de Cultura e Turismo de Cachoeira, realizado em julho de 2008, a secretaria pretendia inserir na comunidade artística justamente a idéia de que a cultura tem acepções mais amplas que não somente as que tocam a idéia da arte enquanto produtor e produto.
Outro projeto é o de separação das secretarias municipais de cultura e turismo, uma vez que essas duas possuem metas distintas. Pretende-se criar o Conselho Municipal de Cultura de Cachoeira, que estará mantendo relações mais estreitas com o governo do Estado, em ações afirmativas para o setor cultural da cidade.
Moraes critica a conduta de alguns artistas cachoeiranos que desejam que algum órgão os adote e lhes conduza ao desenvolvimento. Muitas pessoas, por exemplo, consideram que o Centro Cultural Dannemann, localizado em São Félix, serve de palco apenas para artistas plásticos de outras localidades e que este fato evidencia um descaso para com a produção cultural local. Segundo Moraes, os próprios artistas não estão atentos aos requisitos necessários para a exposição de trabalhos nos eventos produzidos pelo Dannemann.
AUSÊNCIA DE DIÁLOGO - João de Moraes, que também é sócio da Associação dos Artistas, comentou que não existe um diálogo efetivo entre a organização e a Secretaria de Cultura. Cogitou-se, por exemplo, a idéia de execução de uma feira de artesanato durante o São João de 2008. A feira seria realizada na Praça 25 de Junho, um dos circuitos mais movimentados da festa de Cachoeira. Segundo Moraes, a Petrobras estaria patrocinando um evento diferenciado para aquele local. Só tocaria forró pé-de-serra, o que selecionaria um público mais alternativo e de poder aquisitivo maior, que provavelmente estaria comprando os produtos expostos pelos artesãos.
A idéia da feira não se concretizou. Segundo o secretário de Cultura, uma semana antes dos festejos juninos, a Associação dos Artistas alegou que os artesãos não tinham condições para expor os seus trabalhos. Eles precisavam de bancas para colocar as peças. A secretaria de Cultura, segundo Moraes, se ofereceu para conseguir algumas dessas bancas, mas a Associação dos Artistas não aceitou que o projeto fosse realizado daquela maneira.
Moraes via na realização da feira a possibilidade de dar uma visibilidade maior aos artistas cachoeiranos e, dessa forma, reunir fundos para a realização de uma feira mais estruturada em agosto, na festa da Boa Morte.
Outro indicativo da falta de articulação da área artística pôde ser verificado no dia 26 de junho, quando foi realizado, em Cachoeira, o Encontro Setorial da Funceb (Fundação Cultural do Estado da Bahia). O evento contou com a presença do secretário de Cultura do Estado da Bahia, Márcio Meirelles, e da diretora da Funceb, Gisele Nussbaumer. Na oportunidade, os artistas cachoeiranos deveriam estar presentes, já que no evento foram apresentados os editais de projetos para o desenvolvimento artístico-cultural da região. No entanto, estiveram no local apenas o representante da secretaria de Cultura do município e quatro artistas locais, entre eles Nei Pontão, idealizador dos projetos Giga Mundo e Muleki é Tu.
A Associação dos Artistas e Animadores Culturais da Cachoeira funciona na parte superior do prédio da Secretaria de Cultura e Turismo. O diretor, Fábio Pereira, foi procurado pela reportagem, mas não foi encontrado.
terça-feira, 1 de julho de 2008
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