Os trilhos da poesia
Da crítica social ao saudosismo, a poesia percorre todos os cantos de Cachoeira
Hamurabi Dias, Rosivaldo Mercês e Deyvson Oliveira
Cachoeira é uma cidade cheia encantos e contrastes, um lugar onde a cultura popular é pulsante. O que muitos cachoeiranos não sabem é que a Cidade Heróica é também rica em poetas. Uma herança que vem do seu representante mais ilustre, Castro Alves, que nasceu em Cabaceiras do Paraguaçu, mas estudou em Cachoeira. A falta de conhecimento da população sobre essa riqueza literária decorre da ausência de veículos que publiquem os versos. Segundo o poeta Francisco Mello, de 91 anos, a cidade já possuiu cerca de 60 jornais literários. Hoje, não existe nenhum.
É difícil enumerar a quantidade de poetas em Cachoeira. Dos nossos entrevistados, ninguém vive exclusivamente da poesia. São aposentados, artistas plásticos e escultores, que passam o tempo a escrever sobre as belezas da sua terra. Ronivaldo Jesus de Souza, mais conhecido como “Rony Bom”, de 37 anos, começou a escrever no final dos anos 80. Ele não é do tipo saudosista, prefere versar sobre problemas sociais. Também é artista plástico. Rony publicou uma antologia poética com seus escritos e de mais dois co-autores. Todas as suas poesias estão guardadas. Algumas, ainda escritas a próprio punho, outras já digitadas, mas todas reveladoras de uma veia crítica.
RECONHECIMENTO - Roque Sacramento Sena, de 62 anos, professor aposentado do Estado, cursou faculdade de Estudos Sociais e possui pós-graduação em Administração Pública. A arte sempre foi presença forte em sua família. Passou 51 anos da sua vida em Feira de Santana, onde estudou em um convento e, aos 11 anos, escreveu os seus primeiros versos. Nunca escondeu sua paixão pela Cidade Heróica e, mesmo passando tantos anos fora, ela sempre foi a sua principal fonte de criação. “As inspirações para fazer as minhas poesias vêm do cotidiano, da mulher, da paisagem, do Rio Paraguaçu da minha Cachoeira”, afirma Roque.
Sobre o reconhecimento do seu trabalho pela população, Roque Sena é categórico ao dizer: “Santo de casa não faz milagre.” Para ele, os poetas de fora são mais valorizados que os da cidade. Ele diz ter enviou um projeto à Secretaria Municipal de Cultura, para a publicação de suas poesias mas, por questões burocráticas, não obteve aprovação. Ele ainda espera imprimir 50 exemplares de um livro para distribuir entre familiares, amigos e em bibliotecas da cidade. Roque não tem nenhum trabalho editado em livro, mas tem os originais de Cachoeira meu amor, livro com poesias que tratam somente sobre a cidade. Entre os autores de sua preferência estão Carlos Drummond de Andrade, Augusto do Anjos e Fernando Pessoa. Conterrâneos ele também cita, como Olga Pereira, Heraldo Cachoeira, Nelson Aragão e Sabino de Campos.
VERSOS RIMADOS - Francisco José de Mello impressiona pelo seu vigor literário. “Sou um devorador de livros”, assume. Ao nos receber em sua casa, estava lendo A menina que roubava livros, de Markus Zusak. Curiosamente, apesar de cachoeirano, sua inspiração para começar a escrever poesias, aos 37 anos, foi o belo pôr-do-sol da cidade de Madre de Deus, onde trabalhava no almoxarifado da Petrobras, em 1957. Atualmente, não escreve mais poesias. Porém, as escritas retratam de forma apaixonada a sua terra natal, suas ruas, seu povo, suas festas e seu tempo de menino, todas com um toque especial: ele é amante das rimas.
Hoje, concentra seus esforços escrevendo crônicas e ensaios. Já escreveu para o jornal A Ordem e também O Guarani. Seu motivo para migrar da poesia para a crônica (ele é autor de 50) é que, segundo Mello, a segunda opção é mais aceita pelo público. Ele tem duas obras publicadas: A História da Cachoeira e Coquetel Literário. O último reúne seus ensaios, crônicas e poesias. Ele diz que, além da publicação de um livro ser cara, a vendagem é pouca. Reclama também da insuficiência do acervo público. Em sua opinião, isso impede que os jovens se interessem pela leitura.
Francisco é admirador de Drummond, Castro Alves, Casemiro de Abreu, Gonçalves Dias e mais outras levas de poetas. Morou por 10 anos em São Paulo, mas confessa que seu lugar sempre foi a cidade de Cachoeira. “Meus dois grandes amores foram minha esposa, com quem tive um casamento de 54 anos, e Cachoeira”, completa. Ele revela que tem um romance escrito, que decidiu não publicar, chamado Uma guinada de noventa graus, onde mostra sua crítica social. O motivo pela não publicação é que a história se passa na cidade do Rio de Janeiro.
Todos os seus textos estão datilografados e guardados. Em sua velha Olivetti, ele ainda escreve sobre personagens da cidade e de tempos remotos, mas seu brilhantismo na poesia o destaca no cenário poético de Cachoeira. “Eu agradeço a Deus todos os dias por ter conservado meus neorônios ativos”, fala Francisco, que deixa um conselho para os mais jovens: “Leiam, procurem ler bastante. É lendo que se faz cultura.”
H Menor
O problema
da minha magreza
não é produto
da inanição.
É que existem
coisas, de fato,
que não dá
para engolir.
Rony Bom
“Uma morena no alto do morro, Socorro
Cabrocha morena corpo de violão
Cabelos bem compridos era mesmo um morenão”
terça-feira, 1 de julho de 2008
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